quarta-feira, 12 de novembro de 2008

conto 2007- sem nome

Hoje o despertador não tocou, não foi preciso, o calor do quarto e o barulho da rua foram suficientes para que se levantasse. Acordou bem, aproveitou que estavam dormindo ainda e fez suas obrigações, arrumou a cozinha, varreu a casa, preparou café da manhã para sua família, ao passar o café começou a sentir o movimento da casa. Portas se abrindo, água do chuveiro no banheiro, bom dias discretos, sorrisos de boca. Mais um dia que se inicia, como qualquer outro, o café da manhã com conversas aleatórias e paralelas sobre suas vidas distintas “ soube que fulana vai viajar de novo”, “ dormi feito pedra”, “ouvi dizer que as ondas que o celular emite são capazes de cozer um ovo”. Café da manhã em família, apesar da pouca sintonia, se diverte com isso, acha interessante observar o humor de cada um e poder interagir com cada membro da forma que mais agrade a ambos, sem criar atritos, não, no café da manhã não.
Teve vontade de sair, aproveitar o dia fora do recinto, mas não soube para onde, talvez visitar seu amigo de cama, sentiu moleza só de pensar nos ônibus que teria que pegar, por que tudo nessa cidade é tão distante? Ainda pensou em dar uma volta, afinal, caminhar é tão bom! No entanto, foi como somar que dois e dois são quatro quando refletiu que as ruas tortas e desgrenhadas do bairro que habita não são, digamos, uma praça do Inácio Barbosa, além do mais sair as dez da manhã em pleno verão, sem sentir uma única brisa não ajuda neste belo cenário. Não, desistiu. Achou melhor ligar o computador e ouvir música, sim, a música alegra a alma. A possibilidade de ter acesso a quase todo tipo de música simplesmente por estar conectado a internet é uma coisa realmente deslumbrante, não acha? Passou a manhã nesse ritmo, música, e-mails, notícias, tirinhas, curtas, sempre gostou de amenidades, acha as amenidades uma fatia importante da vida, sorrir descompromissadamente , realmente uma grande fatia da vida.
Meio dia. O calor estava incrivelmente insuportável, começou a se sentir mal, a essa hora não sabia mais quanto de água já havia tomado, mas a garganta permanecia seca, pensou no banho necessário, mas sentiu preguiça de levantar, o calor tem dessas coisas, achou melhor enquanto esperava a coragem chegar aproveitar a confortável posição entre almofadas mais alguns instantes para refletir sobre a vida. Fim de ano tem dessas coisas, faz-se uma espécie de balancete do que foi feito e do que ficou pendente, claro que trata-se de uma medida artificial mas gosta de levá-la em conta afinal, podia fazer o balancete em maio ou em setembro mas por que se preocupar com isso? Não há necessidade, o que está instituído socialmente lhe convém, faz seu balancete como todos fim de ano.
Acendeu um cigarro e então pensou no vício eminente... No ócio vivido, nas obrigações não cumpridas, nas boas experiências profissionais ( mesmo que fugazes), no descaso paradoxal para com atividades almejadas, nos amores distantes, na ausência dos amigos e sentiu-se impaciente com aquilo tudo, percebeu que naquele instante nada lhe apetecia, não havia objetividade em suas ações, uma sensação de vazio lhe corroeu. Suspirou, e naquele momento a vida só existia fora de si, o seu eu era só uma presença, como uma casca. Refletiu que não havia nenhum movimento de briga, de gana, nem os registros mais sutis no chão que indicasse isso, tudo era proporcionado, caído do céu, o caráter positivo do que lhe foi presenteado não fazia a menor diferença naquele instante e pensar nisso foi como empurrar-lhe pelos degraus de uma escada, mas do primeiro andar, sem danos letais, dores ocasionadas pelas escoriações sofridas do tombo e olhos trêmulos de lágrimas por sentir-se um ser medíocre na sua tão prezada vida.
Achou melhor levantar-se, tomar banho, seguir rumo, mas agora, não estava muito disposto a cumprir sua rotina, mas não estava com o humor necessário para passeios, queria se distrair. Banho, decidiu lavar os cabelos, assim sentiria a sensação de frescor por mais tempo, mesmo assim o calor deixava uma sensação abafada que sufocava, esse verão realmente vai ser difícil, ainda mais nessa cidade litorânea onde não se pode ir as praias. Não foi a aula, oscilou entre cumprir obrigações e seguir seus ímpetos, optou pelo segundo apesar de não saber se o fez porque era mais confortável ou porque realmente queria fazer outras coisas, quis, mas não fez, permaneceu em casa, olhando para o teto, tantas vezes olhando pro teto e durante o resto do dia não quis mais ouvir música....
O corpo foi acostumando com aquela sensação e sem saber se ela foi incorporada deixando-o mais rígido,teso ou se esvaeceu foi se distraindo, lendo, conversando, pensou mais algumas vezes naqueles pensamentos e se viu como um cristão, apesar de não o ser, vive em uma sociedade que é, adquiriu características, cultivando flagelos, lembrou-se de uma ou duas conversa sobre ação, sobre práxis, sobre hipocrisia, quis aprofundar-se nisso, suspirou e não o fez, estava cansado.

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