quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Romantismo


Coração. pá-pápá, pá-pápá, pá-papá. Assim sabia que estava ansiosa, tentava disfarçar. Pros outros era mais fácil, movimentos lentos e sorrisos meio-abertos lhe emprestavam todo um aspecto sereno que não deixava transparecer a terceiros a tormenta dentro de si, em relação a eles, estava segura.
Para ela mesma era mais complicado, no entanto tentava distrair-se, fazer o tempo passar, ora com música, ora com livros ou qualquer outro recurso que evitasse ficar olhando para a parede enquanto o relógio anda irritadiçamente no mesmo tempo de sempre.
Por toda a vida fora assim, extremamente ansiosa, como quem tem tanta pressa de viver que não vive. Ironia, por medo dos tropeços ou por viver mentalmente aqueles dois minutos de algo por tardes inteiras de nada. Castelos de areia predizendo momentos que nunca se repetiam como foram em seus pensamentos. E o coração pá-pápá, pá-pápá, pá-pápá. Assim sabia, não podia se enganar, o frio no estômago e o coração, lá, constante, alto. Pá-pápá.
Enquanto vivesse nesses cinco minutos para o que quer que fosse, estaria dessa forma, mãos geladas e o coração...lá.

sábado, 4 de outubro de 2008


Acordou.
Era domingo, dia de brincar, levantou-se num pulo ainda cedinho do dia, foi escovar os dentes e notou que estava despelando da praia de ontem, riu consigo mesma e com a mesma perversidade que esmagava as formigas que passeeavam enquanto ela tomava café, distraiu-se puxando sua pele morta, vez ou outra se machucando, quando então notou que não queria mais fazer isso e correu pra rua com sua pipa embaixo do braço, pôs o dedo dentro da sua boca e sem saber exatamente o que percebia com aquele ato, exclamou pra si mesma " é hoje!"
Acordou.
Era domingo, dia que sua mãe permitia que ela fosse passear com suas amigas, desde que arrumasse seu quarto e limpasse a cozinha, fez tudo isso rapidamente, sem muito esmero, pensando unicamente em passear, depois de uma semana longa de provas. Enquanto escovava os dentes, pensava naquela espinhas que começavam a surgir em seu rosto. Saiu então, mentindo para sua mãe sobre com quem ia sair, quando esta te perguntou quantos meninos iam, disse que só ia o namoradinho da Carlinha, quando na verdade iam exatos três meninos e três meninas e ela sabia que eles iam brincar de verdade ou desafio e riu consigo mesma dos seus novos segredos.
Acordou.
Era domingo, levantou depois das doze com gritos de sua mãe perguntando se ela ia dormir o dia inteiro, meio que se arrastou ao banheiro, onde escovou os dentes preocupada se mãe notaria que ela ainda estava levemente bêbada, mesmo preocupada não conseguiu não esboçar um sorriso, passara no vestibular e bebera até o amanhecer com suas amigas.
Acordou.
Era domingo, enquanto estava em frente ao espelho ensaiava mais uma vez a apresentação de sua monografia, seu namorado estava a olhando rindo, querendo a despreocupar, mas ela não conseguia conter aquele imenso buraco no estômago que a sugava. Logo estaria formada. Entre essas preocupações lembrou com alegria do que vivenciou na universidade e levou um pequeno susto em como passou rápido.
Acordou.
Era domingo, não estava claro ainda, mas o pequeno Angelo chorava novamente pedindo pelo seu peito, levantou-se rapidamente querendo evitar que Clara acordasse também e quisesse vir a sua cama. Enquanto ninava seu filhote, se viu no espelho e suspirou dando-se conta que fios prateados surgiram em seus cabelos.
Acordou.
Era domingo e chamou as crianças para um rápido café, pois sabia que estes queriam ir brincar e depois que Angelo se sentasse em frente ao videogame, seria terrível conseguir que ele fizesse qualquer coisa. Depois teria que preparar um belo almoço, faria um churrasco para os amigos e uma bela e grande sobremesa para todas as crianças. Se viu um pouco chateada, já antecipando a bagunça, mas há tanto tempo não tinha tempo para suas amigas, que achou por bem continuar com o combinado.
Acordou.
Domingo. não queria levantar da cama, sabia que Clara não tinha chegado ainda e que mentiria sobre onde estava, preferiu não checar o quarto e não ter que fazer perguntas. Sentiu falta de sua mãe e se sentiu muito só no mundo, penteou os cabelos sem olhar para a pessoa do outro lado no espelho e sem saber exatamente o que a aflingia, chorou.
Acordou.
Domingo. Olhou para o espelho e notou que não se reconhecia. Pensou sobre isso um pouco, um leve estremecimento que engoliu em seco e logo voltou a se preocupar com coisas cotidianas. Ia precisar tomar conta de seu primeiro neto e estava feliz com a presença de crianças na sala de novo. Estava ansiosa também que logo se aposentaria e poderia dedicar mais tempo a si.
Acordou.
Era Domingo. Mais um dia como os outros, que simplesmente passavam, a televisão ajudava a passar o tempo, mas desde que seu marido morrera não tinha muito ânimo para passear no parque ou ir ao cinema ( gostava tanto das caminhadas no parque), chorava e lamentava não ter com quem conversar, quase não via seus filhos. estava sozinha. Estava velha, não era ela, mas sentia que também não podia mais o ser. Estava cansada de domingos.
Não acordou.

Capítulo 4. Desvivo, mas não morro. (Final)


Gostava da vida e não queria simplesmente se desfazer dela. Tinha um grande medo da Dona (da) Morte. Um medo infantil diriam alguns, o destino de todos os vivos é a morte, no entanto esse era o seu grande medo, não era não saber quando viria ou se sofreria, mas simplesmente não queria deixar-se a si mesmo e por isso o terror em ver os anos passando como cometas, anos passados e cada vez mais próximo de despedir-se de si, isso fazia com que sentisse pulsações na boca de seu estômago pois gostava de existir, mesmo que fosse em sua sobrevida.
Pouco fazendo, mas nunca pouco sentindo e por nunca pouco-sentir achava que em alguma pequena medida, vivia.
Vivia, pensava e existia. alegrava-se com isso, não, não estava satisfeito, queria consumir o doce sumo que a vida tinha a oferecer, assim podia ser mais ele, podia mais, podia ser, podia ele. Mas, quando maquinalmente tentava oferecer-se ser ou vivenciar situações agradáveis, estas nunca o eram, ou o eram raramente, conseguir vencer a obrigatoriedade do sorriso acabava com suas expectativas de o ceder a outrem, então saía nas ruas olhando as máscaras de alegria e não queria vesti-la, preferia a máscara do meio sorriso, nõ tinha porque ser desagradável com as máscaras mas dentro de sua própria máscara não via porque (talvez a própria máscara não o permitisse enxergar) tentar vencer a superficialidade das lisas porcelanas.
Inquieto com as quase-relações que não o permitiam expandir, angustiado com sua preguiça e ambivalência, desgostoso com a falta de objetividade e possibilidade em sua vida (pois há muito desistira de fazer o papel de máquina na engrenagem social e com a possibilidade de quebrar o relógio), insosso pelo dia a dia, de certa forma estava bem mesmo quando se sentia triste por não ser mais.
Estava preso em sua confortável vida, pois existia e existir no fim do dia sempre valia mais.
Antenor entendia tudo isso, preferia no entanto não se importar, se importara tanto, esquecera a quantidade de vezes que pensou nos mesmos desvios de si, as mesmas cicatrizes que não sangravam mais, mas estavam lá para quando desse com os olhos nelas sentisse a dor de carrega-las, sem podê-las deixar, querendo as maquiar e fazendo isso as vezes, para que ele mesmo não as visse mas o temor que uma chuva repentina as revelasse quando menos esperasse deixavam ele ainda mais ansioso.
A vida de Antenor segue e ele segue com ela, horas sorrindo, horas não, mas sempre aliviado com sua existência.
Não era pouco, não pra ele. talvez pra terceiros e quintos, pra ele que era um só e que vivia no rascunho, era muito, estava lá, sendo passivo, objeto da ação, o mundo rodando e ele sendo rodado pelo mundo.
E essa simples vertigem não era maravilhosa? Queria mais, inerente a maior parte dos viventes, querer é verbo consciente de si mesmo, e ele queria.
Queria a vertigem de rodar o mundo, talvez conseguisse, mas não realizar era um verbo ao qual não estava acostumado, estava acostumado em ser.
E era.