sábado, 4 de outubro de 2008


Acordou.
Era domingo, dia de brincar, levantou-se num pulo ainda cedinho do dia, foi escovar os dentes e notou que estava despelando da praia de ontem, riu consigo mesma e com a mesma perversidade que esmagava as formigas que passeeavam enquanto ela tomava café, distraiu-se puxando sua pele morta, vez ou outra se machucando, quando então notou que não queria mais fazer isso e correu pra rua com sua pipa embaixo do braço, pôs o dedo dentro da sua boca e sem saber exatamente o que percebia com aquele ato, exclamou pra si mesma " é hoje!"
Acordou.
Era domingo, dia que sua mãe permitia que ela fosse passear com suas amigas, desde que arrumasse seu quarto e limpasse a cozinha, fez tudo isso rapidamente, sem muito esmero, pensando unicamente em passear, depois de uma semana longa de provas. Enquanto escovava os dentes, pensava naquela espinhas que começavam a surgir em seu rosto. Saiu então, mentindo para sua mãe sobre com quem ia sair, quando esta te perguntou quantos meninos iam, disse que só ia o namoradinho da Carlinha, quando na verdade iam exatos três meninos e três meninas e ela sabia que eles iam brincar de verdade ou desafio e riu consigo mesma dos seus novos segredos.
Acordou.
Era domingo, levantou depois das doze com gritos de sua mãe perguntando se ela ia dormir o dia inteiro, meio que se arrastou ao banheiro, onde escovou os dentes preocupada se mãe notaria que ela ainda estava levemente bêbada, mesmo preocupada não conseguiu não esboçar um sorriso, passara no vestibular e bebera até o amanhecer com suas amigas.
Acordou.
Era domingo, enquanto estava em frente ao espelho ensaiava mais uma vez a apresentação de sua monografia, seu namorado estava a olhando rindo, querendo a despreocupar, mas ela não conseguia conter aquele imenso buraco no estômago que a sugava. Logo estaria formada. Entre essas preocupações lembrou com alegria do que vivenciou na universidade e levou um pequeno susto em como passou rápido.
Acordou.
Era domingo, não estava claro ainda, mas o pequeno Angelo chorava novamente pedindo pelo seu peito, levantou-se rapidamente querendo evitar que Clara acordasse também e quisesse vir a sua cama. Enquanto ninava seu filhote, se viu no espelho e suspirou dando-se conta que fios prateados surgiram em seus cabelos.
Acordou.
Era domingo e chamou as crianças para um rápido café, pois sabia que estes queriam ir brincar e depois que Angelo se sentasse em frente ao videogame, seria terrível conseguir que ele fizesse qualquer coisa. Depois teria que preparar um belo almoço, faria um churrasco para os amigos e uma bela e grande sobremesa para todas as crianças. Se viu um pouco chateada, já antecipando a bagunça, mas há tanto tempo não tinha tempo para suas amigas, que achou por bem continuar com o combinado.
Acordou.
Domingo. não queria levantar da cama, sabia que Clara não tinha chegado ainda e que mentiria sobre onde estava, preferiu não checar o quarto e não ter que fazer perguntas. Sentiu falta de sua mãe e se sentiu muito só no mundo, penteou os cabelos sem olhar para a pessoa do outro lado no espelho e sem saber exatamente o que a aflingia, chorou.
Acordou.
Domingo. Olhou para o espelho e notou que não se reconhecia. Pensou sobre isso um pouco, um leve estremecimento que engoliu em seco e logo voltou a se preocupar com coisas cotidianas. Ia precisar tomar conta de seu primeiro neto e estava feliz com a presença de crianças na sala de novo. Estava ansiosa também que logo se aposentaria e poderia dedicar mais tempo a si.
Acordou.
Era Domingo. Mais um dia como os outros, que simplesmente passavam, a televisão ajudava a passar o tempo, mas desde que seu marido morrera não tinha muito ânimo para passear no parque ou ir ao cinema ( gostava tanto das caminhadas no parque), chorava e lamentava não ter com quem conversar, quase não via seus filhos. estava sozinha. Estava velha, não era ela, mas sentia que também não podia mais o ser. Estava cansada de domingos.
Não acordou.

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