“Bom, mentirosa, aí está algo que sempre fui.” Falou mentalmente para si mesma enquanto se olhava na frente do espelho. Duas coisas que gostava de fazer, se olhar no espelho e falar consigo mesmo. Os dois juntos seria quase extasiante, se esta não fosse uma atividade tão cotidiana, mas apesar de ordinária, não sentia nada similar a comum em todas as ocasiões em que percebia que mais uma vez estava se admirando em frente ao espelho e que conversava com seus botões, então sorria. Tanto pelo reconhecimento da constatação quanto para se admirar novamente.
Ainda em frente ao espelho deixou-se levar pelos devaneios, fitou séria a si mesma, mas já não se via, estava em algum recôncavo de si, e neste local rememorava o que tinha acabado de se repetir. Mentirosa, era do que se chamava, para os outros também, mas o mais importante e segundo alguns, drástico, para si mesma! Refletia sobre isso de forma relativamente curiosa pois não conseguia perceber até onde o que ela sentia era verdadeiro e onde começava a fantasia, não sabia se submetida a um teste como o detector de mentiras o que seria apontado pois não tinha tanta convicção das suas convicções, claro, sentira-se triste, indignada, angustiada em sua vida mas não sabia ver de forma clara a veracidade desses sentimentos, ela os sentiu deveras? Ou os simulou como fora ensinada? Era de tal forma nebulosa essa questão para ela que se sentiu confusa de antemão e assim se sentindo se perguntou se assim se sentia verdadeiramente ou se repetira pra si que confusa estava para poder fugir desses questionamentos com a desculpa da confusão.
Percebeu-se no espelho, sua testa estava enrugada e novamente se questionava se assim não fazia só para satisfazer a reação esperada per si.“Meu coração acelera, minhas mãos ficam frias, as reações fisiológicas eu tenho.” Isso conta em favor da presença dos sentimentos, não é? Mal uma sensação de alívio a acertou e perguntou-se se aquilo não fazia parte de uma máscara, bem como sua testa enrugada para o espelho. (olhou-se. A testa ainda permanecia contraída).
Apesar de convicta que dificilmente iria alcançar uma resposta que lhe soasse honesta, continuou a devanear. Rememorou diálogos travados, palavras pesadas, medidas pra cada ocasião, até onde calou-se pra satisfazer o outro, até onde falou para posar para o outro, até onde se impôs para se mostrar a si mesma e definir-se. Até onde isso é real e onde começa a construção. “Aí está! Sou minha própria escultura” pensou como frase feita em um lampejo.
De novo percebeu sua presença, olhou mais uma vez seus traços avessos, tocou sua sobrancelha, observou quando entreabriu a boca e atentou-se para seus dentes, se distraindo ainda mais uma vez sentiu-se aspirada para dentro de si, estando lá, retornou a analisar seu dilema, se questionou se estava contente com sua definição (sua conquista no mundo das definições), se estaria angustiada com sua possível falta de vida própria ( pois a partir de agora via-se como uma títere de si mesma) e ao mesmo tempo que sentia um pouco de cada coisa pensava até onde ambos os sentimentos são verídicos, pois sentia-os pouco espontâneos, já que racionalizados, então de certa forma seriam premeditados e assim o sendo são tão lógicos como qualquer programação de computador. Então até a própria possibilidade de desespero perante tal afirmação se esvai sendo questionada antes do sentimento realmente apontar!
O chão rodou em sua volta, não sentia desespero, nem perto, aliás quase escapou-lhe um sorriso sarcástico perante todo o momento que acabara de passar em frente o espelho, perguntou ainda se o que estava fazendo ali seria a representação de uma cena de teatro ou o que os outros chamam de pensar.
Olhou-se e percebeu que estava bocejando e como por tomar consciência do que fazia o fez de forma prolongada. Falou silenciosa para si um boa noite, deu as costas ao espelho, que a refletiu ainda mais um segundo como se a roubasse por um instante sem que ela percebesse e então apagou a luz.
2 comentários:
belo texto, o que seria do existir sem alguns devaneios singelos.
Massa garota, acabei de favoritar aqui. Não sei porquê, mas o texto me lembrou um outro de Derrida, Animal que Logo Sou, ele passa umas cem páginas travado na cena, dele nu, olhando sua gatinha de estimação o olhar. Não tem nada a ver, mas sacomé essa história de leitura, carretel desvairado, sem começo, fim, e chega, era só um comentário. hahahah.
Aew
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